sexta-feira, 6 de abril de 2012

Os subterrâneos

1) André Gide foi à União Soviética em 1934, para participar do I Congresso dos Escritores Socialistas, que aconteceu em Moscou. Foi o evento que marcou o início da queda de Isaac Babel - que já vinha sendo criticado nos círculos formalistas por sua falta de comprometimento. Babel, quando tomou a palavra no Congresso, disse que estava se tornando "o mestre de um novo gênero literário: o silêncio". Será que Gide encontrou Babel pelos corredores do evento? Será que prestou atenção àquele homem que simbolizava tão bem a transformação da esperança em terror? Babel falava daquele "silêncio das sereias" que falava Kafka - será que Gide chegou a perceber, mesmo que rapidamente, a enunciação dessa poética de Babel?
2) O canto das sereias penetrava tudo, escreve Kafka. Ulisses porém não pensou nisso. Confiou plenamente no punhado de cera e no molho de correntes e, com alegria inocente, foi ao encontro das sereias levando seus pequenos recursos. Ainda que a "alegria inocente" não seja muito condizente com seu temperamento, imagino que Babel poderia encontrar-se em parte das palavras de Kafka - "ir de encontro"; "pequenos recursos" -, e encontrar-se também nesse estupor diante da aparição de formas subterrâneas, estranhas a tudo que já se imaginou mas, ao mesmo tempo, familiares.
3) Durante o Congresso, Gide certamente entrou em contato com aquilo que acontecia de novo na cena literária soviética - especialmente no que dizia respeito ao interminável trabalho de Mikhail Bulgákov, O Mestre e Margarida. Não escapou a Gide - mesmo que o pensamento completo tenha vindo só anos depois - a inquietante coincidência de tantos trabalhos lidando com a emergência do demoníaco do tecido das cidades e nas vidas dos homens: Mephisto, de Klaus Mann; Confissão de um assassino, de Joseph Roth; O cavaleiro sueco, de Leo Perutz - todos da década de 1930 (e, mais tarde, Satã em Gorai, de Isaac Bashevis Singer).

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