terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Variações sobre o viajar

1) Como Raymond Roussel, Joseph Cornell viajava sem sair do lugar. O francês percorreu o mundo de navio e jamais saiu de sua cabine - via o mundo através da janela e de seus escritos. A limitação de Cornell é um pouco mais prosaica, uma vez que ele não foi milionário como Roussel. No entanto, recheou suas caixas com frases em línguas estrangeiras, cartões-postais, recortes, fotos e objetos que remetiam, frequentemente, à Europa e, ainda mais especificamente, à França. Durante a II Guerra Mundial, fez amizade com uma série de artistas refugiados em Nova York. Não chegou a conhecer Roussel, que se matou, em 1933, num quarto de hotel em Palermo, Itália.
2) O trabalho de Cornell está cheio de referências a lugares dos quais ele só conhecia imagens - não apenas Paris, mas existem, em suas caixas, etiquetas de hotéis, folhetos e bilhetes de trem de várias cidades: Praga, Munique, Nápoles, os Alpes Suíços, Cairo, etc. As caixas de Cornell, ainda que carregadas desses elementos externos, desses objetos alheios recolhidos ao acaso, não tomam as cidades como motivo ou razão final - assim como Roussel, que, em suas Impressions d'Afrique, oferece ao leitor todo tipo de fantasia e jogo verbal, mas nunca "impressões" ou "considerações" sobre a África real. Assim como Roussel, a manobra artística de Cornell tem como objetivo a transfiguração do mundo e não sua representação - cada caixa é um mundo possível, uma versão polifônica e portátil do mundo que Cornell via e vivia.
3) Segundo Charles Simic, algumas das caixas de Cornell foram pensadas como "refúgios para o viajante" - locais de culto, silêncio e trabalho, como o camarote de Roussel em seu navio. Cornell as chamava de hotel boxes. São trabalhos que contém coleções de objetos exóticos: penas, compassos, pedaços de mapas, conchas, folhetos de propaganda de cidades europeias - encontradas por Cornell em sebos ou enviadas a ele por amigos. Marcel Duchamp, amplamente consciente desse método de viagem mental e miniaturizada, dá, em 1943, um presente a Cornell: um estojo para transportar vidros de tinta em viagens. Essa obra de Duchamp, Pour le voyage/Étuis luxe, é, curiosamente, de circulação bastante restrita (viajou muito pouco ao longo de todos esses anos) e reprodução inexiste.

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